Tiros, sangue e justiça social. É o jeito Tarantino de contar um faroeste.
Quentin Tarantino não lança dois, três filmes por ano. Ás vezes, fica uns cinco anos sem lançar nada. Mas quando lança, faz barulho e como faz. E recentemente, ele adquiriu um hábito interessante, que é voltar ao passado, contar filmes de época, mas sob sua ótica cheia de referências pop, adquiridas em seu emprego anterior à carreira cinematográfica, a de balconista em locadora de filmes.
E ele faz mais do que isso. Ele muda a história a seu modo, contando como deveria, ou poderia ter sido esse passado. Quem mais explodiria um cinema ocupado por Hitler e seus principais comandados? Uma certa justiça, já que a nossa história conta que o assim chamado Fuhrer da Alemanha se matou em um bunker em 1945, sem ser julgado por seus inúmeros crimes contra a humanidade. Mas o lance aqui não é a Segunda Guerra, mas o Velho Oeste americano, as vésperas da Guerra Civil.
Eis que Tarantino volta ao passado em Django Livre, com uma proposta ousada e desafiadora: Em meio a uma história clássica de vingança e honra, tão típica dos bangue-bangues ianques, vemos o diretor tentando redimir o passado de escravidão em seu país, colocando um escravo liberto na figura do cowboy norte-americano, um respeitado ícone da cultura americana, e o mostra lavando com sangue sua vingança contra os maus patrões: fazendeiros, feitores e capatazes que o exploraram nos infinitos campos de algodão daqueles lugares fervilhantes de racismo, violação de direitos humanos e daí par baixo.
Em Django Livre, cujo nome do protagonista é uma homenagem ao famoso personagem de Westerns Spaguetti (falo sobre isso mais logo no texto), um escravo é libertado por um caçador de recompensas para ajudá-lo a localizar três alvos, e em troca, ele será libertado e receberá uma parte da recompensa. Mas mesmo com a missão cumprida, os dois se tornam parceiros e acabam partindo em busca da esposa de Django, vendida para um sádico fazendeiro do Mississipi. Essa é a sinopse básica, então vamos nos ater a outros detalhes.
Os méritos de Django Livre estão espalhados no todo: elenco, roteiro, trilha sonora. Nem sei por onde começar sem me perder, acho que vou começar pela trilha, que vai de Johnny Cash à James Brown, com hip-hop, mas claro, mesmo soando a princípio anacrônico aos ouvidos mais tradicionais, logo se percebe a relação de cada tema com o que está acontecendo. Funciona, é isso que posso dizer.
Assistindo este filme, fica mais fácil entender a estrutura de um filme assinado por Tarantino. Você identifica lá as principais características dos roteiros do diretor, a começar pelos longos diálogos, que muitas vezes se tornam monólogos, e até correm um certo risco de ficarem cansativos, e só não o ficam porque ele usa desses longos diálogos para mostrar um personagem quase tecendo uma tese sobre um assunto, mas sem soar desinteressante, e aí entra outra características das tramas tarintinianas, que é aquele esquema: uma ou duas pessoas vão a algum lugar com um plano em mente, um longo monólogo ou diálogo é travado e esta argumentação termina em um cagada generalizada que sobra pro mocinho ou pro bandido. Revejam Kill Bill vol. 2 e Bastardos Inglórios, vocês entenderão o que quero dizer, e em Django, esses momentos ficam mais atrativos pelas pessoas que os interpretam.
O que nos leva ao elenco. Não me lembro se Jamie Foxx foi indicado ao Oscar de melhor ator, mas merecia. É muito bom vê-lo evoluir de um intimidado escravo para um caçador de recompensas rápido no gatilho, e em certos momentos mostrando diferentes facetas. Em uma delas, ao ouvir de seu benfeitor, o Dr. King Schulz, a lenda de Siegfried e Broomhilda, seu gestual interpretativo demonstra uma curiosidade ingênua, quase infantil, fantástico.
Falando em Schulz, temos Christopher Waltz. Em seu segundo filme com Tarantino, ele faz novamente um alemão, mas aqui em um contexto totalmente diferente, mas novamente brindando o público com um personagem interessante e carismático, um caçador de recompensas de fala mansa e metodicamente engraçado, sempre tendo na cabeça uma resposta pronta pra tudo.
Kerry Washington, que repete o par romântico com Foxx (os dois atuaram juntos em Ray), merece reconhecimento não apenas por emprestar à Broomhilda aquela repressão e sofrimento no olhar, mas também por ter encarado algumas das cenas mais dramáticas e angustiantes do filme.
O vilão, interpretado pelo Leonardo DICaprio, é repulsivo (no bom sentido) e tem aquelas características tarantinianas que citei acima, e o ator convence como o típico senhor de terras daquela época, inclusive pelo sotaque. E como bem lembrou o Vinícius Passos, é a primeira vez que não vemos DiCaprio interpretando alguém atormentado com alguma coisa. Calvin Candie é o manda chuva, o aficcionado por lutas de mandingo, o cafetão depravado de suas escravas e ponto final.
Mas quem roubou a cena do filme, vejam vocês, foi ninguém menos do que o convidado de honra em boa parte das obras de Tarantino, o modafoca Samuel L.Jackson, na pele do velho Stephen, que cuida de Candi desde moleque e na verdade é o pior tipo de todos, por ser o ex-escravo que se vende aos interesse dos patrões, mas que também manipula o mesmo a seu bel prazer Mas ainda assim, ele provoca altas risadas com o jeito sulista no sotaque e nas reações.
Mas meu relato sobre o elenco não estaria completo sem falar nas várias participações especiais ao longo do filme, a começar por Franco Nero, o Django original de 1966, que trava um diálogo que arranca um sorriso de canto de boca de quem o viu atuando na versão clássica. Quem também arranca risada é o ex-Sonny Crocket Don Johnson, como um outro fazendeiro, que ao lado de Jonah Hill(também em participação especial) são os protagonistas da cena mais hilariante de todo o filme, a qual não preciso comentar porque vocês saberão qual é ao assistir. Isso sem falar nas participações de Michael Parks (que esteve nos dois Kill Bill, em papéis diferentes) e James Remar (da série Dexter, que também tem papel duplo), além de uma infinidade de nomes que ficar citando porque é preferível que se assista e você mesmo os identifique.
Enfim, Django Livre é um filme que homenageia o gênero, sobretudo o clássico spaguetti dos anos 60 (com direito ao tema original), mas que encontra o seu público não só nos amantes de western, mas nos fãs que esperam qual será a próxima loucura(no bom sentido) de Tarantino. Merece todas as indicações e prêmios que já recebeu.
E fiquem após os créditos, tem uma divertida cena curtinha no final
Cotação: 9,00 (tirei um ponto porque não curti o destino de um determinado personagem)
E se bateu a curiosidade, assista aqui ao Django original de 1966
FRANCO NERO!!!
Jamie Fox JÁ TEM um oscar por Ray!